terça-feira, janeiro 30, 2007

Gonçalo Ribeiro Telles ou a Lisboa que deveríamos ter




LISBOA

Numa velha lenda nórdica,

um cavaleiro pede a um espelho mágico

que lhe mostre

a mais bela cidade da Europa.

E o espelho apresenta

aos seus olhos assombrados

a vista de Lisboa, a Grande,

como antigamente lhe chamavam.

O Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles é conhecido por ter razão antes dos Grandes Arquitectos. Foi assim com a ecologia e é assim, agora, com o ordenamento do território.

Escuta-se as preocupações dos candidatos com o trânsito, a habitação, a segurança e não se acredita: são respostas rotineiras, sem chama nem garra, um playback de quem não sente porque não sabe ou porque está agarrado a meia dúzia de obras feitas. Ao ouvirem políticos tão diferentes....com propostas tão iguais...os lisboetas sabem que mereciam melhor. Mas...existe melhor ?

Gonçalo Ribeiro Telles sabe que sim.... e sabe que muita coisa está errada em Lisboa.

Os candidatos discutem Lisboa, mas Lisboa isolada não existe. O que existe é a Área Metropolitana de Lisboa com cerca de 3 milhões de pessoas em 19 concelhos a norte e a sul do Tejo.

Quem abandonou o casco da cidade e foi viver para a periferia de Oeiras, Sintra e Queluz, e agora Alcochete ou Montijo, sente o crescimento caótico e maciço dos subúrbios que alastram como uma mancha de óleo, subvertendo os valores patrimoniais, as concepções arquitectónicas do edifícios e paisagem, a circulação da água, os solos de valor ecológico.

Destas grandes questões, os candidatos a autarcas só retêm a “espuma dos dias”.

Os autarcas perceberam que espaços verdes é uma “coisa boa”. E vá de plantar relvados e canteiros de flores, nas áreas livres que restam do traçado das rodovias e dos loteamentos. Mas não se preocupam que estes “oásis de vegetação” tenham manutenção difícil e cara, com alto gasto energético em água de rega, e sem capacidade de produção de frescos. Numa palavra, estes “parques urbanos” não contrabalançam os efeitos ambientais adversos da “floresta de betão”.

Os políticos municipais perceberam que o trânsito é um problema. Inventaram os piolhos verdes da EMEL que mordiscam, inventaram mal organizados dias sem carros, e inventarão entradas alternativas na cidade para as matrículas par e ímpar. Só não se lembram que 47% dos trabalhadores em Lisboa vêm da restante Área Metropolitana.

Os aspirantes a autarcas perceberam que a segurança é um tema quente. Mas desde o delírio securitário de “em cada esquina um polícia” até à proposta e câmaras de televisão em circuito fechado (Londres possui um milhão de câmaras Big Brother) permanecem presos à miopia de evitar o mal maior. Não conseguem pensar no bem comum que consiste em devolver os habitantes à cidade, sem os exportar para a periferia suburbana, para gaiolas de dez andares, em transportes de hora e meia. È aqui que as forças especulativas da actividade imobiliária dão as mãos aos promotores do acesso automóvel. E o sonho português do carrinho e da casinha vira pesadelo das filas do IC19 e da selva de betão.

Defende-se que só a construção de lotes de edifícios de grande altura e volumetria é rentável, deixando os espaços verdes e outros equipamentos para áreas residuais. Mas, insiste Ribeiro Telles, como ficou demonstrado em estudos realizados em toda a Europa, a partir do quarto piso dos edifícios até ao décimo aumenta toda uma série de crimes e vandalismos. Cuidado com o 4º andar!!!!

O alastramento do betão e do asfalto está a provocar o “caos” ecológico e ambiental e a “instabilidade” física que contribuem para mudanças climatéricas. Caso prosseguir toda a construção autorizada pelos 19 PDM’s da AML, passaremos para o clima semi-desértico. Teremos diminuição da precipitação ao longo do ano com concentração de chuvas no Inverno; ondas de mais calor no Verão; impermeabilização de grandes áreas de solo, tendo como consequência as inundações.

O abate sucessivo de montados e matas na AML diminui as massas vegetais que permitem a retenção de CO2 fazendo aumentar as emissões de gases com efeito de estufa. Por outro lado, a expansão urbana para as periferias obriga a deslocações e gastos consumistas, aumentando a produção de CO2.

As contas do consumo exorbitante de energia estão feitas pela DGE. De 264,6 milhões de contos em 1998 passou-se para 729,3 milhões de contos em 2000, a fim de pagar a importação de carvão, petróleo, gás e electricidade! Mais de dez milhões de euros por dia.

No Gabinete do Plano Verde, na Rua do Comércio, é possível sonhar com Ribeiro Telles o que deveria ser a Lisboa do séc. XXI: uma cidade-região onde alternam as zonas construídas com os espaços verdes. A cidade e o seu envolvimento agrícola surgem como uma unidade de planeamento, duas componentes do “sistema humano” que tem como sustentáculo o território. Em vez da “simplificação” comprometedora que inviabiliza um desenvolvimento sustentável a longo prazo, visiona-se a “osmose” entre a natureza viva e o artificialismo das instalações humanas.

Para que o sonho se torne realidade, é urgente a criação de uma Autarquia Metropolitana, ou região-piloto, que promova o planeamento integrado da cidade-região de Lisboa. Os limites administrativos dos 19 concelhos na AML pouco têm a ver com a realidade física e social, e o simples somatório dos respectivos PDM’s não cria uma política eficaz de ordenamento do território.

Tanto como de avenidas, ruas e edifícios, a cidade-região precisa de uma nova estrutura ecológica. Precisa de linhas de água com margens adaptadas à variação dos caudais. Precisa do contacto com a natureza e de uma rede de recreio com espaços e percursos próprios. Precisa que os espaços verdes surjam nas áreas mais aptas para o efeito, como sejam as do sistema húmido e dos cabeços, e não nos restos da urbanização.

A selva de betão urbanístico reduziu a 1% dos activos os agricultores na AML. Mas nos EUA, a produção de alimentos frescos e saudáveis nas zonas das grandes cidades atinge já 25% da produção total desse ramo. A agricultura nas áreas metropolitanas é a actividade urbana mais importante para o século XXI, segundo o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas – Habitat II. Nos países ricos, para criar um meio equilibrado, mais saudável e com mais qualidade de vida. No terceiro mundo, para combater a fome e a pobreza. Lisboa, por agora, ainda não pertence ao terceiro mundo.

É por tudo isto que, após escutar Ribeiro Telles, os debates na corrida para a autarquia lisboeta se parecem com um voo sobre um ninho de cucos. Cucos num espaço verde, plantado à beira de um prédio com 10 andares nos subúrbios, regado com água de Castelo do Bode, e onde se amontoam os pneus velhos que a lixeira por construir não pôde acolher...naturalmente!

MCH, Eunotícias, 2 de Novembro de 2001

4 comentários:

Raquel Sabino Pereira disse...

FANTÁSTICO, MCH!
Para mim, esta extravasa a Causa do Ordenamento. É a Causa da Vida, que nos leva à Causa das Causas. Se tivéssemos políticas coerentes e executáveis, se restaurassemos o património edificado de lisboa e o libertássemos para arrendamento a preços acessíveis, deixaria de haver horas de trânsito, os pais estariam mais tempo com os filhos ou uns com os outros, a qualidade de vida aumentaria e haveria TEMPO PARA VIVER!

Anónimo disse...

È:.:!
Agora veja isto que me enviou a Fernanda Leitão. Resumindo em 2010 Sintra será mais populosa que Lisboa.

According to the EU ranking of the largest cities by population, Lisbon is the European city that has lost the largest number of inhabitants over the last 10 years.

The ranking reveals that the Portuguese capital has lost one in five of its inhabitants in the space of a decade. The population drop in Lisbon is also the largest in Europe since the turn of the millennium, with a reduction of 8.9 per cent in inhabitants. Latest data published by the Portuguese Statistics Institute INE has confirmed this data, revealing that between 2001 and 2005, Lisbon lost 45,000 of its residents. In 2005 Lisbon, had 519,000 inhabitants and, according to INE, the number of residents could soon decline to under 500,000.
Estimates of Portugal's Institute for Social Sciences reveal that Sintra will be home to 479,000 inhabitants in 2011, eight thousand more than Lisbon. Vila Nova de Gaia will have a population of 320,000, whereas Porto will only have only 200,000 residents.

Anónimo disse...

todo o seu texto fala de uma cultura que o nosso povo ainda nem abriu os olhos.
A capacidade de um desenho urbano como um todo inspirado na natureza que dê resposta às necessidades sociais e culturais e com uma conexão nos paradigmas urbanismo/ecologia e por sua vez na integração da cidade com o campo leva à educação do novo Homem...novo Homem ou Homem novo ainda não foi avistado em massa neste pais.

[estudante de arquitectura|lígia ribeiro]

Anónimo disse...

Cara Ligia
Agora vi seu comentário. Ainda bem que comunga das orientações de Ribei ro teles. São a Vida da cidade em continuidade com o campo. Problema imediato. Quem vai alimentar as cidades ?