quarta-feira, agosto 15, 2007

A Origem das Preocupações Sociais, por Nuno Cardoso da Silva


SESMARIAS
Nuno Cardoso da Silva iniciou um Blogue monárquico que também é de esquerda...radical, na sequência so seu apoio ao candidato Garcia Pereira para as intercalares 2007 da CML de Lisboa. Saudamos este novo espaço cibernáutico que, desde já, demonstra a abrangência do projecto monárquico democrático em Portugal! Os Buiças que se cuidem...!


A “Direita”, para se livrar das críticas feitas por alguma “Esquerda”, recorre sistematicamente à acusação de “marxismo”, chamando a atenção para o desastre que foi a experiência “socialista” da União Soviética. Ou seja, quem critica o capitalismo neo-liberal, globalizante, só pode ser um retrógrado marxista que nada mais deseja do que repetir os erros soviéticos, apoiado ainda por cima num horroroso totalitarismo.

É evidente que só um louco quereria repetir a experiência soviética, mas isso não significa que o ideal social tenha perdido a razão de ser, ou que o capitalismo seja o sistema sob o qual teremos de viver.

Curiosamente, há muitos séculos que o problema da justiça social se coloca, e que há um corpo doutrinário – que nada tem a haver com o marxismo, até porque o antecedeu de muito -, que nos dá orientações preciosas sobre a maneira de actuar em comunidade. A chamada Doutrina Social da Igreja – que nos propomos analisar neste Blogue com algum pormenor -, cuja origem está nos Evangelhos e nos escritos dos doutores da Igreja desde os primeiros séculos do cristianismo, há muito aponta para coisas tão óbvias como o “bem comum”, o destino comum dos bens terrenos, o caracter relativo do direito de propriedade, e até o imperativo ético e moral da opção pelos mais pobres. Apenas como uma primeira ilustração disto passo a citar (em tradução própria do texto em inglês) a seguinte passagem da obra Dos Deveres do Clero, de Sto. Ambrósio de Milão, que viveu no século IV d.C.:

“Em seguida consideraram estar de acordo com a justiça que se tratasse propriedade comum, ou seja pública, como pública, e propriedade privada como privada. Mas isto nem sequer está de acordo com a natureza, pois a natureza disponibilizou todas as coisas para uso comum de toda a gente. Deus ordenou que todas as coisas fossem produzidas de forma a que houvesse comida para todos, e que a terra fosse propriedade comum de todos. A natureza produziu portanto um direito comum para todos, mas a ganância transformou-o num direito apenas para alguns.” (Sto. Ambrósio de Milão, Dos deveres do Clero, Livro I, Cap. XXVIII – 132)

Não é preciso recorrer a Karl Marx para defender valores sociais de uma forma radical. O cristianismo há muito que se encarregou de tal fazer, mas são muitos os “cristãos” a quem convém substituir um imperativo de partilha e um respeito dos direitos dos mais pobres por uma vaga caridade voluntária, cujos limites são definidos pelos interesses de quem a pratica. A Igreja há muito que afirma que a propriedade privada só é legítima quando é posta ao serviço de todos, mas os nossos piosos “cristãos” consideram-na um direito absoluto que lhes permite canalizar para si todo o benefício da sua exploração.

Se há elemento da ideologia marxista que podemos adicionar ao que a Igreja há muito determina, é o de “luta de classes”, não como mecanismo desejável mas como elemento objectivo das relações dentro da comunidade. O espírito de ganância que parece ser próprio do Homem manifesta-se de forma individual – cada um procura o máximo para si -, mas a procura da eficácia na prática predatória levou a que os homens procurassem cumplicidades que tornassem as suas ambições mais faceis de alcançar. A mesma lógica que leva o bandido a associar-se com outros bandidos no seio do bando, leva os exploradores a associarem-se na exploração, o que leva a que os explorados procurem igualmente associar-se na resistência à exploração. É a eterna divisão entre predadores e presas, a que Marx optou por chamar “luta de classes”. E o curioso é que a Igreja, ao proclamar a opção pelos pobres, está a reconhecer essa realidade, já que contrapõe os interesses e direitos dos pobres aos interesses dos que o não são. Para Marx havia a classe burguesa e a classe proletária, para a Igreja há os ricos e os pobres. E tal como Marx não queria o mal dos burgueses mas a sua integração numa sociedade sem classes, também a Igreja não quer mal aos ricos, quer levá-los a colocar a sua riqueza ao serviço de todos e impedir que continuem a enriquecer à custa dos outros.

A propaganda capitalista, a posse quase exclusiva dos meios de comunicação social pelos agentes da oligarquia, tem tentado – com bastante sucesso, deve-se reconhecer – impedir que nos apercebamos do óbvio. Os lobos têm, até agora, conseguido que sejam os cordeiros a vir oferecer-se à sua gula, convencidos da inevitabilidade do seu destino como alimento. Os indícios do desastre económico e ambiental que se aproxima tornam urgente que os cordeiros se apercebam de que não têm de ser comidos, e que podem derrotar os lobos. Um mundo sem lobos pode não ser possível, mas é tempo de os tornar vegetarianos.

4 comentários:

Nuno Cardoso da Silva disse...

Um abraço ao Mendo Castro Henriques. A luta continua... mas é uma luta nova, sob novas formas que muito vai surpreender os que costumam rir-se de nós...

António do Telhado disse...

Post bastante interessante. Sendo eu marxista assumido mas consciente das dificuldades e problemas considero interessante a união de esforços que levem a uma sociedade melhor.

mch disse...

Quero lembrar aqui uma frase de Rolão Preto, em 1975 quando era, creio, Presidente de Honra do Partido Popular Monárquico. Quando um jornalista lhe perguntou o que era o PPM, o Rolão Preto apanhando os soundbytes da época respondeu !" O PPM .. PPM é os sovietes mais o rei..."
Felizmente Álvaro Cunhal confundia o Tejo com o Neva que banha S. Petersburgo ( leninegrado) e não conseguiu levar avante o projecto do PCP ao serviço da URSS. E Rolão Preto acabou por receber de Mário Soares a Ordem da Liberdade. Mais merecida que a maior parte dos que a recebem

Nuno Cardoso da Silva disse...

Nos meus momentos mais delirantes costumo dizer que não sendo possível uma sociedade sem classes, a melhor coisa que se pode alcançar é a redução da classe dominante a um - o Rei - ficando todos os outros na classe não dominante. O Rei teria então poderes de nomeação do Primeiro-Ministro, a chefia das forças armadas e o poder judicial de última instância (mas não o poder legislativo), o que condicionaria o funcionamento das instituições. É claro que uma classe dominante de um só se pode manter no poder por consenso, o que obrigaria o Rei ao uso extremamente cuidado do poder. Se falhasse, seria destronado.

Curiosamente esta é a ideia subjacente à afirmação do Marquês de Penalva, em finais do século XVIII, de que o Rei era diferente para que todos os outros fosse iguais. De certa maneira foi este o sistema que entre nós funcionou entre D. João I e D. João II, a nossa época áurea institucional, a época de maior liberdade dos portugueses. Esta mistura de absolutismo, "fuehrer prinzip", e democracia directa, subordinada à ética e ao princípio do bem comum, pode ser a única maneira de nos livrarmos da fatalidade oligárqica tão bem descrita por R. Michels.