Belgais era uma escola, um centro de investigação musical, um auditório para que músicos realmente importantes se encontrem, trabalhem e produzam música, que é um bem inestimável num país ignorante em matéria musical. Não se trata de «um espaço» inútil: ali, aprendia-se música, conservavam-se partituras, e ensinava-se. Maria João Pires não precisava de Belgais nem da burocracia ou das promessas portuguesas, podia viver onde lhe apetecesse, mas achou que podia fixar-se em Castelo Branco e que poderia investir parte do que é seu numa obra daquela importância. O protesto de Maria João Pires não é contra o Estado nem contra o governo apenas. É contra o país -- e isso compreende-se muito bem. O país do Euro 2004 e dos «desfiles de moda» subsidiados pelo Estado e pelas câmaras municipais, o das empresas que não cumprem as promessas, o dos ricos que ignoram a existência da responsabilidade social do dinheiro. Maria João Pires é um nome português de que nos devemos orgulhar: pelo seu talento, pelo seu piano, e por Belgais. Milhares (repito: milhares) de idiotas e de pseudo-talentos viveram, na cultura, à conta do Estado. O génio de Maria João Pires não precisava de ser provado.
Em Março de 2006, Maria João Pires, de 62 anos, sofreu um enfarte do miocárdio quando se encontrava a descansar em Salamanca. Operada em Espanha, teve de adiar por dois meses a digressão europeia. Em Julho foi instalar-se definitivamente no Brasil e desistiu do Centro para o Estudo das Artes de Belgais, próximo de Castelo Branco, a quinta que comprou há oito anos. "Estava a ser vítima de uma verdadeira tortura". "Parto para me salvar um pouco dos malefícios que Portugal me estava a fazer". "Sofri fisicamente todos aqueles anos em que me dediquei ao projecto e tentei fazer tudo, e não consegui... no fundo, não consegui mais do que um começo", lamentou. Qual o episódio seguinte?
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