Sugestão de leitura: o livro de Patrick Wilcken, Império à Deriva (tradução de Empire Adrift: the Portuguese Court in Rio de Janeiro, 1808-1821.É boa historiografia recente, bem informada e bem escrita. Com a vantagem de não poder ser acusada de alinhamentos e simpatias domésticas. Deste livro, que está à venda em todas as grandes livrarias portuguesas (e cuja leitura, graças a CAA, acabei apressando), ressaltam algumas coisas: que os membros da corte portuguesa tinham pouco a ver com o retrato pouco lisonjeiro em que CAA se compraz; que não se pode ter uma leitura acrítica de uma "fonte" como as memórias da "condessa" de Abrantes (mulher de Junot) quando há outras muito mais credíveis que a contradizem; que D. João VI hesitou muito menos do que é comum dizer-se e que sabia bem o queria (nomeadamente, poupar o País à invasão napoleónica, mesmo recusando os "conselhos" ingleses, e que, quando isso se revelou impossível, soube fazer uma das maiores retiradas estratégicas da História, que este livro justamente retrata enquanto tal). Da obra de Wilcken, ressalta ainda outra coisa, que Manuel de Oliveira Lima já dissera há quase cem anos: que o Brasil ter-se tornado uma nação foi obra de D. João VI. Coisa pouca para um rei "inepto" (CAA dixit). Poderíamos acrescentar, já fora do âmbito deste livro, que foram também as opções delineadas por D. João VI (e que D. Pedro IV plenamente assumiu e transmitiu a D. Maria II) que deram forma ao constitucionalismo liberal que em Portugal se impôs depois dos devaneios jacobinos do vintismo e que nos legou alguma tradição de liberdade civil e política antes do advento do autoritarismo no século XX, esse já obra da República tão cara aos detractores de D. João VI.
CAA, no Blasfémias, voltou a usar a figura de D. João VI para atacar o presidente Sampaio. Esse ataque não interessa agora aqui. O que motiva este post é o enésimo achincalhamento da figura do rei por CAA, que, respondendo a um comentário que deixei ao seu post, fala ironicamente da minha "sabedoria" sobre o monarca, pressupondo nas entrelinhas a sua. Em auxílio da sua iluminada informação sobre os genes, o carácter e a trajectória política de D. João VI, CAA esgrime contra a "historiografia revisionista" (!), que obviamente leu e que estaria ardilosamente a reabilitar a figura de D. João VI. Sabe-se lá, CAA, com que maquiavélicos propósitos! O que aqui lhe deixo é uma sugestão: procure informar-se melhor, mesmo sem recorrer aos recentes e perigosos historiadores "revisionistas". Pode começar pelo livro do grande historiador brasileiro Oliveira Lima (na imagem), "D. JOÃO VI NO BRASIL", escrito em 1909 (ai este revisionismo quase centenário!). Sobre o rei e imperador, que em qualquer outro pais europeu seria celebrado como um grande estadista, aqui fica um trecho, de outra obra de Oliveira Lima ("Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira"):"(...) a suposta fuga de D. João VI nos surge então com feições mais dignas e apresenta um sentido inteiramente diferente da vulgaridade do temor, sentido que em nosso país a opinião pública, consciente em certos casos, instintiva na maior parte deles, não se demorou em ter percebido, a ponto de não hesitar nunca em fazer justiça ao monarca, que teve o mérito de ser denominado, na república, fundador da nacionalidade brasileira. Essa simpatia colectiva, impulsiva e sincera, não foi afinal senão o equivalente da simpatia individual, indubitável e calorosa, de que ele deu provas, em todas as oportunidades, pela sua pátria adoptiva. (...) D. João VI era o homem absolutamente necessário ao meio e ao momento histórico do Brasil, para levar a cabo a pesada tarefa de fazer dele uma nação."
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