quinta-feira, março 22, 2007

Postais do Apocalipse





Gentil Leitor do Blog das Causas: Faça a experiência de contar a quantidade de filmes que mexem com os medos da América do Norte perder a liderança mundial, e espante-se que o Congresso Americano ainda não tenha nomeado um Grupo de Reflexão sobre o Iraque directamente saído dos executivos que se banham nas piscinas de Santa Mónica e Beverly Hills. Podem nem distinguir entre um árabe, um berbere e um turco, mas sabem que a chamada civi­lização ocidental está em baixo no que toca a tri­unfalismo e que a anti utopia mora nas ameaças de bombas que nunca mais chegam.

É esta a mensagem dos sucessos de bilheteira que receberam os Óscares, como Babel, Apoca­lypto, Diamantes de Sangue, Cartas de Iwo Jima, O Bom Pastor e Filhos dos Homens. As imagens do desastre recebem os aplausos da Academia. Cintilam as celebridades - Matt Damon, Brad Pitt, Cate Blanchett, Clint East­wood, Clive Owen, Angelina Jolie, Leonardo Di Caprio, Mel Gibson, Robert De Niro. E em Hollywood, como em Wash­ington, os autores de ficção política enviam os seus postais do Apocalipse

Estes produtos para tranquilizar e entreter toda a gente admitem duas interpretações, a dos pacifistas e a dos belicistas.

A primeira variante oferece a redenção. Os heróis de Diamante de Sangue e Filhos dos Homens dos homens aparecem nas aberturas dos filmes como cínicos e desesperados. Leonardo DiCaprio é um mercenário sem coração, no comércio ilegal do diamantes na Serra Leoa durante a guerra civil, em 1999. Clive Owen é um intelectual alienado na Londres do ano 2027, um deserto indus­trial e de almas perdidas. Sentem-se como ***** cada dia que passa. Não acreditam num acto de caridade ou de consciência. Mas contra a sua vontade e juízo transformam-se em imitações de Cristo. Owen salva uma jovem negra grávida, uma raridade em 2027 e traz a recém- nascida criança por entre fogos e disparos para um navio misterioso nomeado “Amanhã”. Owen morre mas com a promessa da civi­lização renascida. Di Caprio dá a vida por uma criança africana de oito anos, pro­gramada para o assassinato em série. O pai do menino, um simples pescador, encontrou o melhor dos diamantes. E por via de uma bela jornalista apaixonada há-se sobreviver a história do belo mercenário, ainda que morto, e a mensagem que os diamantes devem ser comprados “conflict-free”

O tema da redenção também está em Ba­bel, nas caves da CIA em O Bom Pastor, nas florestas da perseguição em Apocalypto, nas cavernas das Cartas de Iwo Jima. Matt Damon descobre a capacidade para a verdadeira emoção após longos anos de serviço na América das mentiras; Brad Pitt e Cate Blanchett em Babel reconhecem no aldeão marroquino o companheiro humano; há vida para além do dinheiro. A morte do general Kuribayashi em Iwo Jima mostra que a guerra é sacrifício imortal. O bom selvagem de Mel Gibson aprende que vem aí "um recomeço."

As narrativas de Holywood dirigem-se aos ecologistas e aos activistas dos direitos? Sim, a América devora a terra, os mercados financeiros estão-se nas tintas para os pobres, os subalimentados, as baixas colaterais, mas nem tudo está perdido. A América está a fazer coisas que as boas pessoas não devem fazer, mas sentir-se mal e pesaroso para com as vítimas de circunstância infelizes, é não perder a hu­manidade. Quem tem sentimentos, mantém a moral intacta, e a con­sciência viva. Que conforto é ir ao cinema….


As narrativas de Holywood dirigem-se à direita republicana e fundamentalistas cristãos? Esses não precisam que se lhes digam que têm corações puros e que a sua causa é justa. A América encontra-se cercada por inimigos sinistros e numerosos – doenças, russos cor­ruptos, muçulmanos irritados e oceanos envenenados; não faz mal usar os bons velhos remédios contra as impurezas. É um apelo às armas. O mundo está cheio de animais predadores e é preciso defender a pátria contra o mal. A “guerra ao terror” irá durar uma eternidade, seja no Iraque seja em Apocalypto e Filhos dos Homens. E é com o sangue a espirrar e com o pisar das vinhas da ira que a república imperial se deve defender.

Feitas em Washington ou em Holywood, as imagens do desastre confirmam que anda por aí o bode expiatório; a América é o Pai terrível do Antigo Testamento ou o Filho crucificado do Novo Testamento. Ambas as leituras mostram os americanos como os bons rapazes deste mundo, libertos da prisão da história e livres de imaginar que a sua era nunca passará, e o dia do juízo nunca virá. A ilusão constitui o instrumento necessário do poder que nenhum império militar respeitável pode dispensar. O resto do mundo que se entretenha com estes postais do apocalipse.

MCH - Adaptado de Lewis Lapham - Mar/19/2007 De Harper Magazine

1 comentário:

Anónimo disse...

SOberbo!