Há quem diga que ter um aeroporto no meio da cidade é um pouco estúpido. Mas, nos raros casos em que ele existe, destruí-lo e construir outro a dezenas de quilómetros é uma estupidez muitíssimo maior. Se alguém, por estar cheio de sede, partisse o copo exigindo um grande, seria muito idiota. Aquilo que é estúpido com copos, é muito mais estúpido com aeroportos.
A planeada construção do aeroporto da Ota é, sem dúvida, um monstruoso disparate. Mas ela possui uma característica muito particular, que a arruma numa classe bem especial de disparates. Trata-se de uma estupidez apoiada por vários estudos eruditos e muitas pessoas inteligentes e bem-intencionadas. Trata-se, portanto, de uma "estupidez sofisticada", daquelas que constituem a elite, não tão pequena quanto se pensa, do populoso conjunto da asneira.
Possuímos há muitos anos As leis fundamentais da estupidez humana, formuladas pelo grande historiador económico Carlo Cippola (editado em português em Allegro ma no troppo, Celta Editora, 1993). O autor define "Uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo até vir a sofrer um prejuízo" ( op. cit. p. 60). Esta teoria, de grande actualidade, exige uma extensão importante.
Para além da estupidez natural, principal fonte da vasta burrice mundial, existem também actos estúpidos feitos por pessoas inteligentes e cultas. É aquilo a que podemos chamar a "estupidez sofisticada". Esta realidade é fácil de detectar nos vários campos da estultícia humana. Uma pessoa estúpida cai no "conto do vigário", mas é estupidez sofisticada cair numa bolha especulativa da Bolsa. Historicamente, temos estupidez natural em batalhas como Alcácer Quibir e Little Big Horn, e estupidez sofisticada na campanha da Rússia de Napoleão (a de Hitler cai no primeiro grupo) ou na recente guerra do Iraque. Na política actual há, por exemplo, pessoas estúpidas fazendo manifestações contra a globalização, condenando o que não entendem nem podem alterar. Mas existe estupidez sofisticada na PAC ou no lançamento da Constituição Europeia.
No nosso país, foi estupidez natural participar na I Guerra Mundial, e estupidez sofisticada tentar criar o "espaço económico português" do Minho a Timor. Se nos limitarmos ainda mais ao campo específico dos "elefantes brancos", detecta-se acção de pessoas estúpidas nos estádios do Euro 2004, e estupidez sofisticada em obras como o complexo de Sines, o Alqueva e agora a Ota e também o TGV.
Se a questão da estupidez natural está bem estudada, a estupidez sofisticada é muito mais complexa. Como podem tantos especialistas conceituados e bem-intencionados, tantas análises complexas e elaboradas resultar numa parvoíce tão evidente? Se o aeroporto da Portela está a ficar cheio, faz sentido adaptar um outro para o complementar, mas não substituí-lo, como se fosse um fósforo gasto.
Este caso permite ilustrar bem as regras que comandam a estupidez sofisticada, muito diferentes das da estupidez natural. Aqui, tal como nos exemplos referidos, alguns traços essenciais ressaltam claramente. Primeiro existe uma dose elevada de arrogância, a pior fraqueza dos especialistas. Depois há interesses instalados com grande poder de influência, que beneficiam muito com a decisão. Existe ainda, e sempre, um mito abstracto que suporta a estupidez. Neste caso, o sonho de que o aeroporto promova o crescimento do País, quando afinal só fará crescer a imigração. Finalmente, existe triunfo garantido para o ministro que anuncia o investimento, o qual estará longe quando o futuro revelar a dimensão do disparate.
Os nossos filhos vão enfurecer-se com a estupidez do aeroporto da Ota. Mas isso não é extraordinário. Hoje, os passageiros da Gare do Oriente, em Lisboa, gelam no Inverno e assam no Verão debaixo da belíssima estação criada pelo grande arquitecto Santiago Calatrava. Possuímos uma das mais elegantes e estúpidas estruturas de toda a Europa.
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